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Suspeição no Direito: O Que Significa

Suspeição é a situação em que um juiz, perito ou autoridade não pode atuar em um caso devido a interesses pessoais ou vínculos que comprometam sua imparcialidade.

Giulia Soares

08 de setembro de 2025

6 min de leitura

Suspeição no processo civil: conceito, diferenças e consequências práticas

No âmbito processual, a imparcialidade é um dos pilares da jurisdição.

Para assegurar esse princípio, o Código de Processo Civil estabelece regras específicas sobre impedimento e suspeição, aplicáveis não apenas aos magistrados, mas também ao Ministério Público, auxiliares da justiça e demais sujeitos imparciais do processo.

Embora muitas vezes confundidos, impedimento e suspeição possuem naturezas distintas e consequências jurídicas próprias.

Diferença entre impedimento e suspeição

O impedimento é uma presunção legal absoluta de parcialidade. Ou seja, a lei determina, de forma taxativa, situações em que o juiz (ou outro sujeito imparcial) não pode atuar no processo.

O rol de hipóteses está previsto no art. 144 do CPC, abrangendo, por exemplo, casos em que o magistrado já atuou como advogado da parte, prestou depoimento como testemunha, tem vínculo societário ou é parente de uma das partes ou advogados.

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;
II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;
III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo;
VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes;
VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;
VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;  (Vide ADI 5953)
IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
§ 1º Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz.
§ 2º É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz.
§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

Já a suspeição consiste em um indício de parcialidade, com maior carga subjetiva. O art. 145 do CPC elenca hipóteses como amizade íntima, inimizade capital, recebimento de presentes de interessados na causa, aconselhamento de uma das partes ou existência de dívidas entre o juiz e os litigantes.

Art. 145. Há suspeição do juiz:
I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;
IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.
§ 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.
§ 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando:
I - houver sido provocada por quem a alega;
II - a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido.

Em síntese:

  • Impedimento: presunção objetiva e absoluta de parcialidade;
  • Suspeição: presunção relativa, pautada em indícios de comprometimento da imparcialidade.
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Consequências processuais

Tanto o impedimento quanto a suspeição devem ser alegados pela parte interessada por meio de petição fundamentada e instruída, no prazo de 15 dias a contar da ciência do fato.

O incidente é autuado em apartado, cabendo ao magistrado apresentar suas razões.

Se acolhida a suspeição ou o impedimento, o processo é remetido ao substituto legal e os atos praticados pelo juiz impedido ou manifestamente suspeito podem ser declarados nulos.

O tribunal também pode condenar o magistrado ao pagamento das custas processuais, especialmente em casos de suspeição manifesta.

Ação rescisória e limites

Uma diferença relevante está no alcance posterior:

  • Impedimento: pode fundamentar ação rescisória (art. 966, II, do CPC).
  • Suspeição: não enseja ação rescisória, dada sua natureza subjetiva.

Jurisprudência sobre suspeição

A interpretação das hipóteses de suspeição é restritiva, justamente para proteger o princípio do juiz natural e a independência da magistratura.

O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que a mera existência de decisões desfavoráveis em outros processos não caracteriza suspeição. É necessário comprovar efetivo comprometimento da imparcialidade.

Exemplo disso foi o julgamento do AgRg no AREsp 636.334/RJ, no qual se afastou alegação de suspeição de magistrada apenas pelo fato de ter proferido sentença contrária em outro processo envolvendo familiar da parte.

Aplicação prática da suspeição

Além de juízes, os fundamentos de suspeição estendem-se aos membros do Ministério Público, peritos, servidores e demais auxiliares da justiça.

Importa destacar que o magistrado também pode declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de justificativa, reforçando o dever ético de zelar pela imparcialidade.

Conclusão

A correta compreensão das regras de suspeição é essencial para advogados que buscam resguardar o direito ao devido processo legal. Alegações infundadas podem ser rejeitadas e não suspendem, necessariamente, o curso do processo.

Em contrapartida, quando há suspeição manifesta ou impedimento, os efeitos processuais são relevantes e podem levar à nulidade dos atos praticados.

O tema exige atenção estratégica da advocacia, especialmente diante do impacto que pode gerar no resultado da demanda.

O conteúdo desta página refere-se à legislação vigente no momento da publicação.

Giulia Soares

OAB/SP 471.425

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).