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Recurso Especial: O Que é e Quando é Cabível?

O Recurso Especial é um meio jurídico para questionar decisões de tribunais estaduais ou federais quando há contrariedade à legislação federal ou interpretação divergente entre tribunais, sendo analisado pelo STJ.

Rafael Silva dos Santos

17 de fevereiro de 2025

11 min de leitura

O que é Recurso Especial?

O Recurso Especial é o meio jurídico utilizado para contestar decisões de tribunais estaduais ou federais, com o objetivo de levar a questão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Seu propósito é assegurar que as leis federais sejam interpretadas de maneira uniforme em todo o Brasil.

O Recurso Especial funciona como uma tentativa de reverter a decisão dos tribunais (Estaduais e Federais) que negam o(s) pedido(s) da pessoa em um processo judicial, tanto para decisões em casos onde os tribunais julgaram um outro recurso, que tentou reverter a decisão de um juiz, quanto nos casos em que são negados pedidos em uma ação que já começou no tribunal (como é o caso das ações de Agravo de Instrumento, Habeas Corpus ou o Mandado de Segurança, por exemplo).

O recurso especial também tem a finalidade de combater decisões que contrariem uma lei federal e de alinhar as decisões dos tribunais brasileiros entre si.

Ou seja, por mais que os desembargadores possam se convencer livremente da decisão que irão tomar no caso fático, com base no que interpretam da lei, a própria lei continua sendo uma só, desta forma, seria no mínimo incoerente deixar, por exemplo, que tribunais de estados diferentes julgassem casos muito similares de formas diferentes, contradizendo-se uns com os outros.

Mas ele tem muitas peculiaridades para que possa ser acolhido / considerado como sendo válido para ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao qual esse recurso deve ser direcionado.

Sabendo disso, a Lawdeck preparou os principais detalhes do recurso especial.

Hipóteses de cabimento do Recurso Especial

Este recurso se trata de um instrumento do processo judicial para combater / reverter especificamente decisões que:

  • Neguem a vigência e/ou sejam contrárias às regras escritas de legislação federal ou tratados em que o Brasil é signatário (Art. 105, inciso III, alínea “a” da CRFB/88);
  • Julguem válidos atos do governo contestados com embasamento em lei federal (Art. 105, inciso III, alínea “b” da CRFB/88);
  • Tenham uma interpretação da legislação federal que contrarie a de outros tribunais, como a do próprio STJ, inclusive (Art. 105, inciso III, alínea “c” da CRFB/88).

Um detalhe recente sobre uma dessas hipóteses de cabimento é o de que, após “Investigação a partir de doutrina e jurisprudência do STF e do STJ”, feita pelo STJ para julgar o RECURSO ESPECIAL Nº 1851431 - SC (2019/0359033-0) , disponível por esse link, concluiu-se que não existe consenso sobre o termo "ato de governo local" presente no art. 105, inciso III, alínea “b” da CRFB/88.

De toda forma, na mesma decisão, o STJ decidiu que:

para o cabimento do recurso especial por b, é preciso que o "ato de governo local" contenha imperium, ou, noutras palavras, que seja um ato normativo, caracterizado por um comando geral e abstrato dirigido indistintamente a uma coletividade indeterminada de cidadãos submetidos à autoridade do Estado-membro ou do município.

Como a decisão acima foi assinada recentemente (em comparação a data de publicação deste conteúdo), se faz importante estar por dentro desta nova definição do que se trata um "ato de governo local", e para ter mais atualizações recentes como esta, basta acompanhar os conteúdos publicados por aqui.

Prazo geral do Recurso Especial

Para começar, é essencial estabelecer o prazo geral para a interposição do Recurso Especial.

De acordo com a regra geral aplicada à maioria dos recursos no Código de Processo Civil, o prazo para interposição é de 15 (quinze) dias úteis, contados a partir da intimação da decisão, conforme disposto no art. 1.003, § 5º, do CPC.

Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.
§ 5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias.

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Como é obrigatoriamente de praxe, deve haver uma lei que tenha “criado” esse recurso, pois bem, este recurso tem tanta relevância para os legisladores que ele está primeiramente previsto na CRFB/88 (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O recurso especial, portanto, está mencionado no artigo 105, inciso III e suas alíneas, da referida lei:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
[...]
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Pelo fato de o artigo mencionado acima ser um direito escrito que que depende de uma lei para regulamentar seus pormenores, para então produzir todos os seus efeitos na realidade fática, ou seja, trata-se de uma norma de eficácia limitada, tratou o Código de Processo Civil de realizar esta regulamentação do recurso especial em seus artigos 1.029 a 1.041.

E como o recurso especial deve ser endereçado exclusivamente ao STJ, outro regulamento muito relevante, redigido pelo próprio tribunal que julga este recurso, é o Regimento Interno, disponível por esse link.

Para que se tenha uma noção da importância do estudo deste regulamento ao se desenvolver um recurso especial, se pode citar que o Regimento Interno do STJ estabelece, por exemplo:

  • As hipóteses de cabimento do recurso especial, alinhadas ao artigo 105, III, da CRFB/88;
  • Os requisitos para admissibilidade do recurso especial, como a demonstração de violação à lei federal ou divergência jurisprudencial;
  • O preparo do recurso especial, incluindo o pagamento de custas e o depósito recursal (quando exigido);
  • As consequências do não pagamento do preparo, como a inadmissibilidade do recurso;
  • Os requisitos da petição inicial do recurso especial, como a indicação clara da violação à lei federal ou da divergência jurisprudencial;
  • A juntada de documentos essenciais, como a cópia da decisão recorrida e o acórdão completo.

Como se trata de um assunto com muitos detalhes, boa parte do regimento acima que trata do recurso especial merece um conteúdo exclusivo para cada capítulo, mas os itens mencionados acima são apenas um vislumbre da relevância de estar atualizado também com esta norma na hora de fazer a sua peça ou decidir se deve usar deste recurso.

A Súmula nº 7 do STJ e a visão jurisprudencial envolvendo o Recurso Especial

Agora que os principais pontos técnicos e legais foram explicados, é importante debruçarmo-nos na visão jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema.

O primeiro ponto a ser analisado não poderia ser outro senão a admissão ou não do recurso.

Veja que, antes mesmo da análise de mérito, na qual o Superior Tribunal de Justiça decidirá pela reforma ou não da decisão a quo, é necessário ultrapassar a barreira da admissão.

Uma das principais causas de inadmissão dos Recursos Especiais é a Súmula 7 do STJ:

A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. (Súmula 7, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/1990, DJ 03/07/1990, p. 6478)

Na prática, se no caso levado ao reexame do STJ, o recorrente pretender o reexame dos fatos ou provas, o recurso provavelmente não será admitido.

Entretanto, a súmula não é absoluta. Há casos em que o próprio Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade da Súmula, como citado na ementa abaixo:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA. IMPUTAÇÃO INFUNDADA DA PRÁTICA DE CRIME DE DESVIO DE DINHEIRO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE TERMOS PEJORATIVOS. EMISSÃO DE JUÍZO DE VALOR CONDENATÓRIO. ANTECIPAÇÃO INDEVIDA. DEVER DE INDENIZAR. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESPECIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Recurso especial interposto na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Consoante a jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento, apesar de merecedores de relevante proteção constitucional, não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais não menos essenciais à concretização da dignidade da pessoa humana, tais como o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem. 3. No desempenho da nobre função jornalística, o veículo de comunicação não pode descuidar de seu compromisso ético com a veracidade dos fatos narrados e, menos ainda, assumir postura injuriosa ou difamatória com o simples propósito de macular a honra de terceiros. 4. A desconstituição das conclusões a que chegaram tanto o Juízo de primeiro grau quanto o Tribunal local - no tocante ao conteúdo ofensivo e antecipatório de injusto juízo de valor, de publicação jornalística veiculada em revista de circulação nacional, contra a honra e a imagem do autor da demanda e à responsabilidade da editora ré pelo dever de indenizar os danos morais daquela resultantes - ensejaria incursão no acervo fático-probatório da causa, o que, como consabido, não se coaduna com a via do recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 5. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexistentes no presente caso. 6. Recurso especial não provido. (Resp nº 1.524.405 - SE -2013/0403050-4 - Relator: Ministro Ricardo Villas Boas Cueva)

Pela decisão acima, é evidenciado que no caso de reexame do valor dos danos morais fixados pelo tribunal a quo, o STJ tem afastado a Súmula nº 7/STJ, mas apenas quando esse valor é irrisório e abusivo.

Assim, em que pese a vigência da súmula, se o recurso especial do caso concreto envolver reexame de fatos e provas, ainda assim é possível a admissão, por isso, se esse for o seu caso, pesquise as decisões específicas do tema envolvido, para verificar se há alguma exceção à aplicação da súmula, como na decisão retro.

Diferente das decisões acima, há casos em que o tema do recurso é essencialmente uma discussão de direito, não envolvendo o exame de fatos e provas.

Um exemplo disso é a decisão abaixo, que envolveu uma discussão sobre qual prescrição é aplicada no caso julgado:

EMENTA Recurso especial. Direito Civil. Ação de repetição de indébito. Contrato de TV por assinatura. Cobrança indevida por serviços não contratados. Ponto extra. Taxas de licenciamento de software e segurança de acesso. Prescrição decenal. Recurso provido. 1. A pretensão de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços de TV por assinatura, não previstos no contrato, sujeita-se à norma geral do lapso prescricional de dez anos (art. 205 do CC/2002). 2. Recurso especial provido para que a restituição dos valores pagos a título de locação de equipamento adicional (ponto extra) e de taxas de licenciamento e segurança observe o prazo decenal de prescrição. (REsp N. 1.951.988-RS - 2021/0240144-7- Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira)

Conclusão

O Recurso Especial visa corrigir divergências para estabelecer uma coerência mínima entre as decisões dos tribunais para que haja segurança jurídica básica ao se considerar as interpretações das leis além do texto escrito em si, por isso é de máxima importância para fortalecer e atualizar o entendimento dos direitos das pessoas no Brasil.

A Lawdeck também visa fortalecer e atualizar o conhecimento de seus leitores no universo jurídico, desta forma seja sempre bem vindo(a) para explorar nossos recursos tecnológicos e de conteúdos especiais para o desenvolvimento da sua atuação em todas as áreas do direito.

O conteúdo desta página refere-se à legislação vigente no momento da publicação.

Rafael Silva dos Santos

OAB/SP 433.415

Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP). Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Universidade Legale. Consultor nacional e internacional tributário e de contratos cíveis e empresariais. Entusiasta e pesquisador em Direito do Consumidor, Empresarial e Cível.

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