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Receptação: Entenda o Crime do Art. 180 do CP

A receptação é o crime de lidar com objeto proveniente de crime, com conhecimento da origem ilícita. Está prevista no art. 180 do Código Penal e pode ser simples, culposa ou qualificada.

Giulia Soares

04 de julho de 2025

5 min de leitura

O que é receptação?

Conforme o caput do art. 180 do Código Penal, comete o crime de receptação quem:

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:         
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Trata-se, portanto, de um crime derivado, ou seja, só ocorre se houver um crime anterior que tenha originado o bem receptado. A pena é de reclusão de 1 a 4 anos, além de multa.

O crime pode ser praticado de forma direta (receptação própria) ou indireta, quando o agente influencia terceiro de boa-fé (receptação imprópria).

Quem pode praticar o crime de receptação?

O agente da receptação não pode ter participado do crime anterior que gerou o bem. Caso o mesmo indivíduo tenha furtado e, posteriormente, transportado o bem subtraído, não responderá por receptação, e sim apenas pelo crime anterior.

Crime permanente x crime instantâneo

  • Nas condutas de transportar, conduzir ou ocultar, o crime de receptação é considerado permanente. A consumação se prolonga no tempo, o que permite flagrante a qualquer momento enquanto durar a posse do objeto.
  • Já nas condutas de adquirir ou receber, trata-se de crime instantâneo, consumando-se no momento da ação.

Receptação culposa

O § 3º do art. 180 prevê a modalidade culposa, com pena de detenção de 1 mês a 1 ano, multa ou ambas. Ocorre quando o agente não tem certeza, mas deveria presumir que o bem é produto de crime, diante de:

  • Desproporção entre o valor do bem e o preço;
  • Natureza do objeto;
  • Condição de quem oferece o bem.

Exemplo: Ana compra um notebook de última geração por R$ 300,00 de um desconhecido, sem nota fiscal e sem qualquer comprovação de origem.

Diante da desproporção e da condição do vendedor, presume-se que o bem foi obtido por meio criminoso, o que caracteriza receptação culposa.

Contudo, se a venda é feita por preço de mercado, com caixa original e nota fiscal aparentemente legítima, não há culpabilidade, pois o comprador agiu de boa-fé e não houve indícios claros de ilicitude.

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Receptação qualificada

O § 1º do art. 180 trata da receptação qualificada:

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

A pena é reclusão de 3 a 8 anos e multa, sendo um crime próprio, praticado por quem exerce atividade comercial ou industrial, inclusive de forma clandestina (conforme § 2º).

Exemplo: Paulo é dono de uma loja de bicicletas e, para reduzir custos, passa a adquirir peças de procedência duvidosa, fornecidas por receptadores de bicicletas furtadas.

Mesmo sem ter certeza da origem ilícita, a natureza da atividade e o preço incompatível impõem a presunção de ilicitude, configurando receptação qualificada.

Receptação com pena em dobro

O § 6º do art. 180 agrava a pena quando o bem for:

§ 6º  Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.  

Nesses casos, a pena do caput é aplicada em dobro.

Perdão judicial e privilégio

O § 5º do art. 180 prevê o perdão judicial na receptação culposa, caso o agente seja primário e as circunstâncias favoreçam.

Na receptação dolosa, aplica-se o privilégio do § 2º do art. 155, podendo o juiz reduzir a pena de 1/3 a 2/3 ou substituí-la por pena restritiva de direitos, quando presentes os requisitos legais.

§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155.

Informativos relevantes sobre receptação

  • Informativo 485 – STJ: Talão de cheques não possui valor econômico intrínseco e, por isso, não pode ser objeto material da receptação.

  • Informativo 546 – STF: É constitucional a pena mais grave da receptação qualificada, mesmo que o tipo penal exija apenas que o agente "deva saber" da origem ilícita — mais leve que o dolo direto do caput.

Considerações finais

A receptação é crime comum, mas com diversas nuances relevantes para a prática penal.

Com modalidades dolosa, culposa e qualificada, o art. 180 do Código Penal exige atenção quanto à conduta do agente, à origem do bem e à forma de aquisição ou comercialização.

O conhecimento técnico sobre esse tipo penal é essencial para profissionais da área jurídica, especialmente no exercício da advocacia criminal e na atuação junto ao sistema de justiça.

O conteúdo desta página refere-se à legislação vigente no momento da publicação.

Giulia Soares

OAB/SP 471.425

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).