thumb

Dosimetria da Pena: Entenda Como Funciona

A dosimetria da pena é o processo em que o juiz define a pena do réu, seguindo três fases previstas no art. 68 do Código Penal, com base nas circunstâncias judiciais, legais e causas de aumento ou diminuição.

Giulia Soares

25 de julho de 2025

6 min de leitura

Dosimetria da pena no Código Penal: etapas, regras e súmulas relevantes

A dosimetria da pena é um dos temas mais relevantes na execução penal e no processo penal brasileiro. Trata-se do procedimento técnico-jurídico pelo qual o juiz determina, dentro dos limites legais, a pena exata a ser aplicada ao réu condenado.

No Brasil, adota-se o sistema trifásico, conforme previsto no artigo 68 do Código Penal e desenvolvido pelo jurista Nélson Hungria.

Neste artigo, explicamos como funciona a fixação da pena privativa de liberdade, as etapas envolvidas e as principais súmulas dos tribunais superiores que orientam essa aplicação.

Etapas da dosimetria da pena: o modelo trifásico

A dosimetria da pena é dividida em três fases sucessivas (modelo trifásico), que devem ser rigorosamente seguidas pelo magistrado:

I - Fixação da pena-base (Primeira fase - circunstâncias judiciais)

Na primeira etapa, o juiz fixa a pena-base com fundamento nas circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, que são:

  • Culpabilidade
  • Antecedentes
  • Conduta social
  • Personalidade do agente
  • Motivos do crime
  • Circunstâncias do crime
  • Consequências do crime
  • Comportamento da vítima

Importante:

  • Não é permitido ultrapassar o limite mínimo ou máximo da pena cominada nesta fase.
  • Inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser usados para agravar a pena-base (STJ, Súmula 444).

Súmula 244 -STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

  • Os maus antecedentes devem se basear em condenações definitivas não geradoras de reincidência.
  • A folha de antecedentes criminais é suficiente para comprovar maus antecedentes ou reincidência (STJ, Súmula 636).

Súmula 636 - STJ: A folha de antecedentes criminais é suficiente para comprovar maus antecedentes ou reincidência.

II - Fixação da pena provisória (Segunda fase - agravantes e atenuantes)

Nesta etapa, o juiz aplica as circunstâncias agravantes (arts. 61 e 62 do CP) e as circunstâncias atenuantes (arts. 65 e 66 do CP), para fixar a pena provisória.

Atenuantes comuns:

  • Confissão espontânea (art. 65, III, "d")
  • Ser menor de 21 anos à época do fato
  • Ter bons antecedentes

Agravantes comuns:

  • Reincidência
  • Motivo fútil ou torpe
  • Cometer crime com abuso de autoridade ou com uso de violência

Restrições importantes:

  • A pena não pode ser reduzida abaixo do mínimo legal por atenuante (STJ, Súmula 231).

Súmula 231 - STJ: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

  • Confissão espontânea deve ser efetiva, especialmente em crimes como tráfico de drogas (STJ, Súmula 630).

Súmula 630 - STJ: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio.

  • O juiz deve considerar circunstâncias preponderantes, como reincidência, personalidade do agente e motivo do crime (art. 67 do CP).

Destaque:

  • A reincidência não pode ser usada duplamente na primeira e segunda fase da dosimetria. Visa evitar o bis in idem, isto é, que a mesma condenação agrave a pena em mais de uma fase. (STJ, Súmula 241).

Súmula 241 - STJ: A reincidência penal não pode ser considerada como
circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.

  • A folha de antecedentes pode comprovar reincidência mesmo sem outros documentos (STJ, Súmula 636).

Súmula 636 - STJ: A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência.

chat-gpt

Crie peças em segundos com IA

Busque jurisprudência atualizada e aumente seu faturamento com a melhor IA para advogados do Brasil.

III - Fixação da pena definitiva (Terceira fase - causas de aumento e diminuição)

Na última fase, o juiz aplica as causas legais de aumento ou de diminuição da pena, previstas na parte geral ou especial do Código Penal, fixando a pena definitiva.

Atenção:

  • As majorantes e minorantes têm efeito fracionário (⅓, ½ etc.), diferentemente das qualificadoras, que alteram os limites da pena.
  • Em concurso de causas, o juiz pode aplicar apenas a que mais aumenta ou mais reduz a pena (art. 68, parágrafo único, do CP).
  • A fixação do aumento ou da diminuição deve ser fundamentada com base nos elementos do caso (STJ, Súmula 443).

Súmula 443 - STJ: O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.

Mais Súmulas relevantes sobre dosimetria da pena

Veja a seguir algumas das principais súmulas dos tribunais superiores que norteiam a aplicação correta da dosimetria:

Súmula 718 – STF

A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

Veda o agravamento do regime inicial com base em juízo genérico ou estereotipado do tipo penal.

Súmula 719 – STF

A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Complementa a Súmula 718, reforçando que o regime prisional deve ser coerente com a pena fixada.

Súmula 269 – STJ

É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.

Admite maior flexibilidade na aplicação do regime, desde que as circunstâncias permitam.

Considerações finais

A dosimetria da pena não é mera formalidade — é um processo técnico e essencial à garantia do devido processo legal, da individualização da pena e da justiça na execução penal.

Para o profissional do Direito, dominar o modelo trifásico e compreender a aplicação das súmulas é fundamental para atuar com segurança na defesa, acusação ou magistratura.

O conteúdo desta página refere-se à legislação vigente no momento da publicação.

Giulia Soares

OAB/SP 471.425

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).