thumb

O Que É Culpabilidade? Entenda o Conceito Jurídico

Culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre o agente que, sendo imputável, age com consciência da ilicitude e podia ter atuado de forma diferente, mas opta por cometer o crime. É um dos elementos do crime no Direito Penal.

Giulia Soares

27 de junho de 2025

7 min de leitura

Culpabilidade no Direito Penal: o que é, como funciona e quais são seus elementos

A culpabilidade é um dos pilares centrais da responsabilidade penal. Mais do que verificar se um comportamento foi típico e ilícito, o Direito Penal exige que o agente possa ser considerado culpável pelo fato. Mas o que isso significa na prática?

Neste artigo, vamos explicar o conceito de culpabilidade, suas teorias, os elementos que a compõem e as causas que podem afastá-la, com base na doutrina e na jurisprudência atual. Continue a leitura e entenda por que esse tema é essencial na atuação criminal.

O que é culpabilidade?

No Direito Penal, culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre o agente que comete um fato típico (previsto como crime) e ilícito (contrário ao ordenamento jurídico).

Trata-se de avaliar se aquela pessoa poderia ter agido de maneira diferente diante das circunstâncias.

A culpabilidade funciona, portanto, como um filtro final de responsabilidade penal. Mesmo que o fato seja típico e ilícito, não se aplica pena se o agente não for culpável.

Teorias da culpabilidade

A construção teórica da culpabilidade evoluiu ao longo do tempo. Três grandes correntes explicam como ela deve ser compreendida:

I - Teoria psicológica

A culpabilidade é vista como um vínculo psicológico entre o autor e o fato. Seus elementos são a imputabilidade e o dolo ou culpa.

II - Teoria psicológico-normativa

Mantém os mesmos elementos da anterior, mas insere um terceiro: a exigibilidade de conduta diversa, ou seja, a possibilidade de o agente agir de forma lícita.

III - Teoria normativa pura

É a teoria adotada no Brasil, conforme a reforma penal de 1984. Aqui, a culpabilidade é composta por três requisitos:

  • Imputabilidade;
  • Potencial consciência da ilicitude;
  • Exigibilidade de conduta diversa.

Elementos da culpabilidade

Os elementos da culpabilidade são: imputabilidade (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), potencial consciência da ilicitude (possibilidade de reconhecer que o ato é ilegal) e exigibilidade de conduta diversa (possibilidade de agir conforme o direito).

I - Imputabilidade

É a capacidade do agente de compreender o caráter ilícito de sua conduta e de se autodeterminar segundo esse entendimento. São causas de exclusão da imputabilidade:

  • Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto/retardado (art. 26, caput, CP);

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

  • Menores de 18 anos (art. 27, CP);

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. 

  • Embriaguez completa e acidental (art. 28, §1º, CP).

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.   

II - Potencial consciência da ilicitude

É a possibilidade de o agente compreender que sua conduta é proibida. Quando essa percepção é comprometida por erro inevitável, temos o erro de proibição escusável, que exclui a culpabilidade (art. 21, parágrafo único, CP).

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Exemplo: Um turista estrangeiro, acostumado a leis mais brandas sobre entorpecentes em seu país, acredita que o uso de maconha no Brasil é permitido e age com base nessa suposição.

III - Exigibilidade de conduta diversa

Refere-se à capacidade de o agente agir de outro modo, segundo o Direito. Quando essa exigibilidade está ausente, o agente não é punido.

Hipóteses legais:

  • Coação moral irresistível (art. 22, primeira parte, CP);
  • Obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal (art. 22, segunda parte, CP).

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Hipóteses supralegais (não previstas expressamente em lei):

  • Cláusula de consciência (ex.: objeção por motivos religiosos);
  • Desobediência civil;
  • Conflito de deveres;
  • Situações de extrema necessidade moral.
chat-gpt

Crie peças em segundos com IA

Busque jurisprudência atualizada e aumente seu faturamento com a melhor IA para advogados do Brasil.

Causas excludentes de culpabilidade

Existem situações expressamente previstas em lei que excluem a culpabilidade, impedindo a imposição de pena ao agente. As principais são:

  • Inimputabilidade penal (menores de idade ou portadores de doença mental);
  • Erro de proibição inevitável;
  • Coação moral irresistível;
  • Obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal.

Essas causas não negam que o fato seja típico e ilícito, mas reconhecem que o autor não pode ser penalmente responsabilizado.

Culpabilidade e erro de proibição: qual a relação?

O erro de proibição ocorre quando o agente não reconhece que sua conduta é ilícita. Ele pode ser:

  • Inevitável: exclui a culpabilidade e a pena;
  • Evitável: não exclui, mas reduz a pena de 1/6 a 1/3 (art. 21, parágrafo único, CP).

É importante diferenciá-lo do erro de tipo, que recai sobre o próprio fato praticado (ex.: acreditar que está carregando chá, quando na verdade carrega maconha).

A culpabilidade como critério para dosimetria da pena

Além de ser elemento essencial para a configuração do crime, a culpabilidade também funciona como vetor de individualização da pena, conforme o art. 59 do Código Penal.

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

Assim, quanto maior o grau de reprovabilidade da conduta, maior poderá ser a pena aplicada pelo juiz.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a culpabilidade como fundamento legítimo para agravar a pena-base, respeitando o princípio constitucional da individualização da pena (HC 105674/RS).

Considerações finais

A culpabilidade é um componente indispensável para a responsabilização criminal. Não basta que a conduta seja típica e ilícita — é preciso que o autor possa ser censurado pela prática do fato, ou seja, que ele pudesse compreendê-lo e evitá-lo.

Dominar esse conceito é fundamental não apenas para o estudo da teoria do crime, mas para uma atuação jurídica consciente e técnica, especialmente em casos que envolvem imputabilidade, coação ou erro de proibição.

O conteúdo desta página refere-se à legislação vigente no momento da publicação.

Giulia Soares

OAB/SP 471.425

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).